domingo, 11 de fevereiro de 2007

Volta Pilatos, estás perdoado!

Domingo, 11 de Fevereiro de 2007. Referendo sobre o aborto. Como eles insistem!... O Estado, gerido pelos representantes do povo legitimados por eleições, propõe novamente aos portugueses que se facilite a prática do aborto.

O país assiste, impávido, a múltiplos debates nas arenas televisivas. Eminentes e distintos gladiadores do "sim" e do "não" movimentam-se febrilmente em torno de questões científicas, éticas e jurídicas profundamente herméticas, como mariposas à volta de um candeeiro.

Aparentemente, quase ninguém se preocupa com o essencial: as questões penais e de saúde pública ligadas ao aborto só podem ser analisadas correctamente num plano social e nacional mais amplo, relacionando-as directamente com:
  • O envelhecimento da população portuguesa; e
  • A educação sexual e a assistência à contracepção.
Não se deve consentir que a população de Portugal continue a envelhecer e a diminuir, aceitando a inevitável integração de uma proporção crescente de imigrantes e o agravamento sistemático do desequilíbrio do sistema de pensões de reforma. É essencial e urgente que o Estado adopte medidas eficazes de incentivo e protecção da natalidade e da maternidade.

Não obstante, porque as mulheres são muito mais do que seres reprodutores, impõe-se também a adopção de medidas tendentes a:
  • melhorar a educação sexual nos estabelecimentos públicos de ensino;
  • alargar a cobertura dos serviços de saúde nas áreas de planeamento familiar e controlo de natalidade, nomeadamente às escolas, por forma a reduzir mais eficazmente a incidência de gravidez indesejada em adolescentes.

Dir-me-ão: mas onde iria o Estado buscar dinheiro para custear tudo isso? Foi justamente essa a dúvida que assaltou os nossos governantes. Numa perspectiva mesquinhamente economicista, é mais fácil lavar as mãos...

Quando estão em causa vidas humanas, como no caso do aborto, o legislador deve tentar sempre ponderar interesses conflituantes. Da mesma forma, um Estado responsável não pode facilitar um último recurso (o aborto) sem garantir que todas as medidas que minimizam a sua necessidade serão tomadas simultaneamente.

Tal como Pilatos no julgamento de Cristo, a Assembleia da República propôs este referendo aos portugueses, deixando-nos o ónus de, através do "sim", condenarmos vidas humanas sem, em compensação, tudo fazer para prevenir estas mortes, minimizar o sofrimento das mães que abortam ou evitar o trauma da gravidez indesejada.

E agora, Portugal?

Portugal, finais de 2005. Após a eleição de nova maioria parlamentar e correspondente nomeação de um novo Governo no início do ano, a luz ao fundo do túnel continua apagada. Decorridos cinco anos, esgotados três Governos, o país arrasta-se numa crise económica e social sem precedentes no passado de memória vivida. Crise que, pela profundidade e duração, poderá colocar em risco a Nação. Os portugueses voltam agora as suas esperanças para o novo Presidente da República que será eleito no início de 2006.

O eleitorado sabe que o papel do “mais alto magistrado da Nação”, delimitado na Constituição, não lhe permitirá intervir directamente na situação do país e na resolução dos problemas que o afligem. No entanto, o falhanço do Primeiro-Ministro em funções empurrou imediatamente os portugueses para a busca de um novo líder político nacional. Será que os candidatos que se perfilam perante o eleitorado estarão conscientes do que o Povo em surdina lhes pede? Estarão algum ou alguns deles em condições de corresponder ao apelo mudo que os portugueses lhes fazem?


Os candidatos

As pessoas que publicamente manifestaram a sua disponibilidade para ocupar o cargo de Presidente da República podem ser agrupadas da seguinte forma:

· Os candidatos dos pequenos partidos;
· O não-candidato;
· Os candidatos para a História.

Os candidatos dos pequenos partidos, de entre os quais avultam Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, não pretendem ser eleitos para o cargo de Presidente da República. Desenvolvem campanhas eleitorais que apenas servem de extensão às empreendidas directamente pelos respectivos partidos para os restantes actos eleitorais, subvertendo assim o propósito das eleições em apreço e revelando ausência de respeito pelo eleitorado.

Manuel Alegre poderá ser o candidato que mais se identifica com a ansiedade sentida pelos portugueses. O cariz patriótico das suas intervenções públicas poderá reflectir e confirmar esta asserção. Infelizmente, essas intervenções também têm evidenciado que Manuel Alegre não faz a mínima ideia de qual pode ser, em concreto, o papel do Presidente da República para mitigar as inquietações e dificuldades de todos nós. Um candidato sem programa é um não-candidato.

Os dois candidatos que restam são bem conhecidos de todos. Mário Soares e Aníbal Cavaco Silva exerceram cargos públicos da mais alta responsabilidade no Portugal dos finais do século passado. Decorridos dez anos sobre o afastamento quase simultâneo de ambos da actividade política activa, Cavaco Silva toma a iniciativa e candidata-se para acrescentar relevo ao papel que desempenhou. Mário Soares, seu rival na memória para a posteridade, responde-lhe candidatando-se também, no intuito de não deixar a estrela de Cavaco brilhar mais alto do que a sua nos livros de História do futuro. Ambos os candidatos não vivem o Portugal de hoje nem o querem servir. Estão politicamente mortos e a disputa entre ambos é uma mera luta além-túmulo que apenas poderá entusiasmar estudiosos do paranormal com queda para a política.

A taxa de frustração nacional tenderá, assim, a aumentar após a eleição para Presidente da República em Janeiro próximo.

E agora, Portugal?


O papel do Presidente da República

O que fazer? De que forma poderia o Presidente da República contribuir para resolver a crise que assola Portugal?

Em primeiro lugar, é necessário formular um plano estratégico para Portugal. Depois de, no início dos anos 90, termos sido precipitadamente atirados para uma via de integração europeia demasiado rápida, os sucessivos Governos têm-se limitado a fazer a gestão corrente da crise que resultou daquela opção, o que não permite solucioná-la. O Presidente da República está numa posição privilegiada para intervir a longo prazo, dada a maior extensão do seu mandato e a mais provável reeleição, podendo assumir-se como o traço de união entre legislaturas.

No início da década de 70, Portugal era um país fortemente subdesenvolvido: baixas taxas de escolaridade, economia dependente dos mercados coloniais e com competitividade sustentada em baixos salários e fraca protecção social. A geração de líderes empresariais que hoje está a chegar ao fim em Portugal foi criada e educada na situação estrutural existente sob o regime político autoritário pré-1974.

A revolução de Abril de 1974 perturbou totalmente o equilíbrio assente em 48 anos de estabilidade política forçada. Os níveis salariais subiram muito e depressa, as colónias foram alienadas e, inevitavelmente, perderam-se. Iniciou-se um esforço, muito positivo, de incremento dos níveis de escolaridade e educação. O sistema de previdência social foi alargado, reforçado e passou a beneficiar a quase totalidade da população, incluindo muitos que para ele não tinham contribuído. O acesso ao sistema público de prestação de cuidados de saúde tornou-se generalizado e tendencialmente gratuito.

Os desequilíbrios gerados pela nova situação debilitaram fortemente o tecido empresarial. A resposta governamental, a partir de meados da década de 80, assentou numa política razoavelmente articulada de incentivos fiscais e subsídios às empresas que investissem em formação de pessoal e modernização. Infelizmente, muitos líderes empresariais não estavam preparados para aplicar correctamente estes meios, tendo-se registado uma elevada taxa de desperdício que foi teimosamente ignorada pelos governantes. Tendo atirado com dinheiro às empresas, o Governo entendeu, no início da década de 90, que o tecido empresarial nacional já deveria estar preparado e que se poderia antecipar a fase seguinte: plena integração económica e monetária na União Europeia.

A súbita integração no Mercado Único e subsequente adesão à Moeda Única acentuaram dramaticamente os desequilíbrios no tecido empresarial. Em pouco mais de duas décadas, Portugal passou de um estado semi-autárcico à concorrência directa com algumas das mais fortes e modernas economias do mundo. Muitas empresas entraram em ruptura. O desemprego alastrou rapidamente. O sistema financeiro, preocupado com o crédito mal-parado, deixou de cumprir funções básicas de financiamento das empresas. O investimento quase paralisou.

Também as contas do Estado sofreram vicissitudes neste período: o envelhecimento da população, a falta de rigor na gestão da despesa corrente, a não concretização da Reforma Administrativa, contribuíram para um acentuado crescimento do deficit do Estado e da Dívida Pública.

Paralelamente, e em consequência da perda de competitividade internacional, as contas nacionais passaram a evidenciar um preocupante desequilíbrio, com o apuramento de saldos negativos cada vez mais significativos nas balanças Comercial e de Transacções Correntes.

E tudo isto ocorreu num quadro, historicamente ímpar, de baixas taxas de juro, o que certamente permitiu atenuar muito os sintomas descritos.

Inevitavelmente, o clima de conflitualidade social tem vindo a agravar-se. Sintomaticamente, instituições que são alicerces do Estado – poder judicial e forças armadas e de segurança pública – aparecem envolvidas num manto mediático de instabilidade e reivindicação. A crise atingiu as raízes mais profundas da sociedade.

Assim, um plano estratégico para Portugal deve dar resposta a todas as dificuldades descritas e ser consensual para a sociedade portuguesa. Deve, basicamente, conter respostas claras às seguintes questões:

· Qual o papel de Portugal no mundo e, em especial, como se deve posicionar no relacionamento com a União Europeia, países de expressão portuguesa na América do Sul e na África e com as Comunidades Portuguesas?

· Qual a natureza que se pretende para a Nação portuguesa do futuro? Dever-se-á consentir que a população de Portugal continue a envelhecer e a diminuir, aceitando a integração de uma proporção crescente de imigrantes? Ou, pelo contrário, pretende-se que o Estado promova activamente o incremento da natalidade, prolongando e reforçando a Nação actual?

· Que medidas de política económica podem ser adoptadas para melhorar radicalmente a posição competitiva das empresas portuguesas? Quais as infraestruturas prioritárias? As que nos aproximam do centro da Europa ou aquelas que restringem o papel de Portugal ao de um mero apeadeiro para quem viaja entre os continentes africano, americano e europeu?

· Como promover a criação de uma nova geração de líderes empresariais, preparados para enfrentar o novo ambiente competitivo em que Portugal está inserido? Qual o grau e natureza do esforço que o Estado deve desenvolver no apoio ao empreendedorismo?

· Quais os benefícios sociais sustentáveis a longo prazo e, por exclusão de partes, que sacrifícios terão que ser pedidos à população portuguesa nos próximos anos?

Enquanto mais alto magistrado da Nação, chefe supremo das forças armadas, independente e supervisor face aos restantes órgãos de soberania, compete ao Presidente da República iniciar e dinamizar este debate na sociedade portuguesa, criando condições para assegurar a maior participação cívica possível: instituições, partidos políticos, associações empresariais, sindicatos e confederações sindicais, ordens profissionais, universidades, de todos deve o Presidente da República exigir que nele participem.

Consagrado o consenso nacional quanto à estratégia nacional a desenvolver, compete ao Presidente da República incentivar e fiscalizar activamente a sua execução:

· Supervisionando os órgãos de soberania responsáveis;
· Sensibilizando os parceiros sociais;
· Intervindo publicamente.

Este é o papel que o próximo Presidente da República deveria assumir como prioritário. Será que algum dos candidatos à eleição presidencial se disponibiliza para o desempenhar? Caso ninguém o faça, ficará comprometida durante mais cinco anos a resposta aos anseios dos portugueses e, então, só restará perguntar:

E agora, Portugal?