quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Crisis? What Crisis? (Parte II) - Crise e Coesão na Europa

(Mensagem enviada ao Presidente da Comissão Europeia, Dr. Durão Barroso)


Exm.º Sr. Presidente da Comissão Europeia,
A actual situação da Europa exige respostas rápidas e eficazes. Os políticos dispõem agora de poucas oportunidades para resolver a  situação sem convulsões sociais e políticas muito graves no espaço europeu.

Uma solução rápida e eficaz deve assentar em:
-alargamento da missão do BCE, com a atribuição ao Banco do papel de "lender of last resort" para os estados que integram a área do Euro;

- constituição de uma entidade europeia ("Tesouro Europeu"), supranacional e de que seriam membros os países que integram a área do Euro e o BCE.
A atribuição ao BCE do papel de "lender of last resort" permitiria que o Banco informasse claramente os mercados do estabelecimento de um nível máximo para os "yields" da dívida soberana dos países da área do Euro em mercado secundário, o qual, se ultrapassado, determinaria a imediata intervenção, ilimitada, do BCE, para fazer as cotações regressar a níveis de "yield" inferiores ao estabelecido. Estas intervenções seriam financiadas com emissão de moeda fiduciária e envolveriam, por isso, riscos inflacionistas, a mitigar através da política monetária que o Banco também conduz.

O "Tesouro Europeu" a constituir deveria desempenhar o papel de emissor exclusivo de dívida soberana europeia para os países da área do Euro com níveis de endividamento superiores aos admitidos no Tratado de Maastricht (estes países perderiam a sua autonomia na emissão de dívida). Os instrumentos de dívida soberana emitidos por este organismo, exclusivamente denominados em Euro (na prática, "Eurobonds") seriam garantidos, solidária e ilimitadamente, pelos países integrantes da área do Euro e, em último recurso, pelo BCE.

A sistemática e pública oposição da Alemanha (por sobrevalorização do risco de inflação, compreensível à luz da história económica daquele país), no que parece ser acompanhada pela França e alguns pequenos países do centro da Europa, tem impedido a adopção das soluções enunciadas, parte das quais a própria Comissão teve já oportunidade de defender perante os cidadãos europeus.

Ontem, o Sr. Presidente da República Francesa terá abordado em público, hipotética e academicamente, como sugerem comentários posteriores, a possibilidade de a França, a Alemanha e outros pequenos países do centro da Europa, virem a constituir uma zona de "moeda forte" na Europa, de que seriam excluídos os débeis países do Sul, nomeadamente Itália, Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda, acabando, por essa via, com o fenómeno de potencial contaminação da crise da dívida soberana aos países mais fortes da área do Euro.

Devem os Europeus agradecer ao Sr. Sarkozy ter aberto a porta para a implementação das tão necessárias e urgentes soluções antes referidas. De facto, não podendo os países em situação de debilidade ser expulsos da área do Euro, caberá à França. Alemanha e pequenos países que os queiram acompanhar, sair da zona Euro, constituindo, entre eles, uma aliança monetária a que chamarei zona do Super Euro. A actual zona Euro permanecerá, reduzida, mas, mesmo assim, representando a quinta maior economia mundial, com liberdade para, de uma vez por todas, adoptar as medidas de alargamento da missão do BCE e constituição do "Tesouro Europeu". Acresce que a zona Euro, com a saída da França e da Alemanha, verá o Euro desvalorizar-se moderadamente contra as moedas dos seus principais parceiros comerciais e, notavelmente, contra o Super Euro, o que muito contribuirá para acelerar a recuperação económica nos países integrantes, através de maior contribuição da procura externa líquida.

Dada a situação de precariedade governamental na Itália, Espanha e Grécia, a liderança política dos países da remanescente área do Euro está vaga, pelo que exorto V. Ex.ª, Sr. Presidente da Comissão Europeia, a cumprir o que poderá ser um desígnio histórico: facilitar a implementação das ideias do Sr. Sarkozy, dentro do modelo exposto.

Desejo-lhe o maior sucesso pessoal e institucional, nesta hora tão difícil para a Europa.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O Epitáfio (Político) de Sócrates

Para onde navega a barca "Portugal"?

Há quase vinte anos, o então Primeiro-Ministro de Portugal referiu-se à necessidade de o país ter ao leme quem tivesse mão firme e poucas dúvidas sobre o rumo.

Nos dias de hoje, a barca nacional voga, há muito tempo, em oceano aberto, sem porto de abrigo nem destino à vista.

A bordo, as provisões começam a escassear. O capitão fecha-se no camarote, delirando.  Julga-se atado de pés e mãos e tudo delega no timoneiro. Este, bazofeiro e pouco conhecedor das ciências de marear, interpreta todos os ventos como se de bonança fossem, desfraldando e arreando velas à toa. Já poucos sabem reparar casco, aparelhagem e mastros e os da ganga do timoneiro nada sabem fazer. A barca segue adornada, penosamente, encolhendo-se perante as fúrias dos mares, a que agora chamam “mercados”.

O timoneiro, homem impiedoso e cruel, insiste em pedir regularmente novos sacrifícios aos tripulantes. Quer mandar os mais idosos para o porão, com ração reduzida e pouca água para beber. Distribui tarefas fúteis ao cirurgião para que este não consiga tratar os doentes. O tesoureiro descura o soldo da guarnição militar.

O motim é agora iminente.

Simultaneamente, os perigos da jornada adensam-se. Da penumbra surge um quarto Adamastor que ergue, empurra e sopra a barca. A “Portugal”  voga sem rumo, à deriva. Descobre-se grande rombo no casco e já não há madeira nem ânimo para o tapar.

Começa a corrida aos escaleres. Oficiais e marinheiros atropelam-se ferozmente. Os mais idosos, os mais fracos, são abandonados à trágica sorte dos afogados.

Os dos escaleres avistam três ilhas no horizonte. Gritam “terra à vista! Salvemo-nos!”.

Baptizam-nas FMI, Comissão Europeia e BCE, vá-se lá saber porquê. A primeira parece agreste. A vegetação é espinhosa;  a terra pouco promissora e as escarpas acentuadas contrastam com a verdura exuberante com que as outras duas, qual sereias, atraem os mareantes.

Apontam as proas ao arquipélago que apelidam, obviamente, de “Troika”.

 Desembarcam nas ilhas mais promissoras. Cedo descobrem que estas falsamente acolhedoras paragens são habitadas por gente hostil, bárbaros nórdicos, rudes e egoístas. Os autóctones não estão dispostos a partilhar a abundância dos seus paraísos verdejantes, que a sua hostilidade rapidamente transforma em infernos de pesadelo. Os nossos mareantes, mais uma vez, tentam atabalhoadamente escapar.

Alguns, poucos, conseguem atingir a desprezada primeira ilha, temerosos, em desespero de causa. O timoneiro tinha agourado “é habitada por animais ferozes, é infértil, morrereis todos se aí aportardes”. A fortuna sorriu-lhes. Prosperaram. Mais uma vez, a última, o timoneiro tinha-se equivocado.

Mas ninguém lhe amaldiçoou a memória: só, abandonado a triste sorte, já tinha expiado as suas culpas, esquecido e engolido nas profundezas do inclemente e justiceiro oceano da História.