sexta-feira, 24 de junho de 2011

O Epitáfio (Político) de Sócrates

Para onde navega a barca "Portugal"?

Há quase vinte anos, o então Primeiro-Ministro de Portugal referiu-se à necessidade de o país ter ao leme quem tivesse mão firme e poucas dúvidas sobre o rumo.

Nos dias de hoje, a barca nacional voga, há muito tempo, em oceano aberto, sem porto de abrigo nem destino à vista.

A bordo, as provisões começam a escassear. O capitão fecha-se no camarote, delirando.  Julga-se atado de pés e mãos e tudo delega no timoneiro. Este, bazofeiro e pouco conhecedor das ciências de marear, interpreta todos os ventos como se de bonança fossem, desfraldando e arreando velas à toa. Já poucos sabem reparar casco, aparelhagem e mastros e os da ganga do timoneiro nada sabem fazer. A barca segue adornada, penosamente, encolhendo-se perante as fúrias dos mares, a que agora chamam “mercados”.

O timoneiro, homem impiedoso e cruel, insiste em pedir regularmente novos sacrifícios aos tripulantes. Quer mandar os mais idosos para o porão, com ração reduzida e pouca água para beber. Distribui tarefas fúteis ao cirurgião para que este não consiga tratar os doentes. O tesoureiro descura o soldo da guarnição militar.

O motim é agora iminente.

Simultaneamente, os perigos da jornada adensam-se. Da penumbra surge um quarto Adamastor que ergue, empurra e sopra a barca. A “Portugal”  voga sem rumo, à deriva. Descobre-se grande rombo no casco e já não há madeira nem ânimo para o tapar.

Começa a corrida aos escaleres. Oficiais e marinheiros atropelam-se ferozmente. Os mais idosos, os mais fracos, são abandonados à trágica sorte dos afogados.

Os dos escaleres avistam três ilhas no horizonte. Gritam “terra à vista! Salvemo-nos!”.

Baptizam-nas FMI, Comissão Europeia e BCE, vá-se lá saber porquê. A primeira parece agreste. A vegetação é espinhosa;  a terra pouco promissora e as escarpas acentuadas contrastam com a verdura exuberante com que as outras duas, qual sereias, atraem os mareantes.

Apontam as proas ao arquipélago que apelidam, obviamente, de “Troika”.

 Desembarcam nas ilhas mais promissoras. Cedo descobrem que estas falsamente acolhedoras paragens são habitadas por gente hostil, bárbaros nórdicos, rudes e egoístas. Os autóctones não estão dispostos a partilhar a abundância dos seus paraísos verdejantes, que a sua hostilidade rapidamente transforma em infernos de pesadelo. Os nossos mareantes, mais uma vez, tentam atabalhoadamente escapar.

Alguns, poucos, conseguem atingir a desprezada primeira ilha, temerosos, em desespero de causa. O timoneiro tinha agourado “é habitada por animais ferozes, é infértil, morrereis todos se aí aportardes”. A fortuna sorriu-lhes. Prosperaram. Mais uma vez, a última, o timoneiro tinha-se equivocado.

Mas ninguém lhe amaldiçoou a memória: só, abandonado a triste sorte, já tinha expiado as suas culpas, esquecido e engolido nas profundezas do inclemente e justiceiro oceano da História.