sábado, 7 de fevereiro de 2009

Crisis? What Crisis? (Parte I)

A crise financeira tomou conta do planeta e agora entrou de rompante a crise económica. Na banca prossegue a rápida sucessão de discursos tranquilizadores e notícias catastróficas. Os sectores chave nos países industrializados, construção civil e automóvel, encontram-se em forte retracção na sequência do corte de crédito aos consumidores, seus clientes, por parte do sistema financeiro. O desemprego alastra como um incêndio de Verão, fazendo entrever o espectro da Depressão. Governos e autoridades monetárias, de cabeça perdida, não sabem o que fazer e precipitam-se a gastar dinheiro dos contribuintes e aliviar as taxas de juro de referência, com pouco critério e reduzida eficácia. Banqueiros exigem descaradamente do Estado ajudas indecorosas e, pior ainda, conseguem-nas. Empresários influentes tentam ser os primeiros a receber subsídios, cientes de que o bodo aos pobres não vai durar muito. Aonde vamos parar?


Diagnóstico errado, terapêutica ineficaz

Governos e autoridades têm, de forma geral, caracterizado a presente crise do sistema financeiro como conjuntural, sendo a crise económica uma consequência directa da primeira.

A atribuição de carácter conjuntural à crise financeira é, em grande medida, influenciada pelas posição generalizada de banqueiros e autoridades de supervisão, os quais foram directamente responsáveis pelas mudanças da actividade bancária em quase todo o mundo que originaram esta crise e com elas conviveram quotidianamente nos últimos dez anos. Estes responsáveis agem e opinam sem um pingo de consciência da sua culpa e da sua inadequação para continuarem à frente das instituições que (ainda) dirigem. Muitos ainda fantasiam frivolamente restabelecer o “status quo” vigente na banca até Julho de 2007.

Este diagnóstico está errado.

A crise do sistema financeiro é estrutural. A actividade bancária passou a desenvolver-se num ambiente radicalmente diferente, no qual deixaram de ser viáveis as mudanças introduzidas nas operações da banca na última década, como por exemplo:

· A securitização das operações de crédito ao consumo;

· A desintermediação, incluindo a gestão e comercialização de fundos de investimento sofisticados (e.g. hedge funds, high yield funds).

Estas inovações basearam-se na necessidade que o sector bancário sentiu de competir em atractividade, nos mercados bolsistas, com outros sectores mais exuberantes. Há dez anos a banca era encarada como uma actividade conservadora, aborrecida, desinteressante, cinzenta, com pouco “glamour”, lucros estáveis, mas também sem grandes expectativas de crescimento. Inconformados, os então “novos banqueiros” levaram as veneráveis instituições que dirigem a adoptar uma postura comercial agressiva, sustentada no abandono da sã prudência que, durante muitos séculos, caracterizou o sector. Hoje, algumas já faliram e foram nacionalizadas ou absorvidas pelos seus pares. Muitas outras exibem prolongada agonia, trimestre a trimestre, na comunicação social.

A banca comercial é o sistema circulatório da economia. Nos países industrializados, os grandes bancos são o coração desse sistema. Que médico poderia caracterizar como saudável um paciente a quem diagnosticou grave doença cardíaca incurável? Que doente poderia ser salvo, em tais circunstâncias, sem recurso a um transplante?

Não se trata, pois, de mitigar, ajudando os bancos comerciais privados com dinheiros públicos. Menos ainda se deverá pensar que a criação de um “bad bank” contribuirá para restabelecer o normal funcionamento do sistema bancário. Esta solução consiste na venda, por parte dos bancos comerciais, de activos que estão sistematicamente a perder valor, a um banco criado e capitalizado pelo Estado só para esse fim. Os estados não podem amparar as consequências da inobservância de elementares regras prudenciais de gestão e abster-se de identificar e punir os responsáveis. Acresce que, na prática, não é possível avaliar correctamente esses activos em desvalorização, pelo que se arriscaria:

· A compra pelo “bad bank” a preços excessivamente baixos, originando perdas insustentáveis para os bancos que se pretendem socorrer; ou

· A venda pelos bancos comerciais a preços excessivamente elevados, com perdas sustentáveis pelos seus balanços, mas tornando o “bad bank” financeiramente inviável, com constante necessidade de ajuda estatal, constituindo um peso desmesurado para os contribuintes das gerações futuras.

Esta solução chumba, desde logo, no teste de elementar bom senso: se os activos a comprar pelo “bad bank” forem transaccionados pelo seu justo valor, o que muda na avaliação de solidez dos bancos comerciais que os venderam? Obviamente, nada.

Ao invés, é fundamental que os estados intervenham directamente no sector bancário, fomentando novas instituições, com novos gestores, isentos dos erros e vulnerabilidades do passado, dispondo de balanços inequívocos, tão limpos como um bebé de fralda lavada. Os estados devem promover a criação de “good banks”, estimulando os que restarem no sector, através da sã competição, a cumprir a função que lhes cabe: receber depósitos e conceder crédito, fazer circular o sangue no corpo desta economia global.